"Onde funcionam as coisas é onde a sociedade se apropria dos seus processos." Ladislau Dowbor

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A GRANDE MANCHA DE LIXO NO PACÍFICO

O termo “mancha de lixo” tem levado muitas pessoas a acreditar que esta área é uma mancha grande e contínua, composta de unidades de lixo marinho, facilmente visíveis, tais como garrafas e outros resíduos sólidos – semelhante, literalmente, a uma colcha de lixo que deveria ser visível através de imagens de satélite e fotografias aéreas.



Desmistificando a “Grande Mancha de Lixo no Pacífico”

Perguntas Freqüentes

NOTA: Esse mapa é uma representação simplificada das feições e correntes oceânicas no Oceano Pacífico. Diversos fatores influenciam a localização, o tamanho e a intensidade de todas essas feições ao longo do ano, incluindo a sazonalidade e o El Niño/La Niña. A representação disso num mapa estático é muito difícil.

O que é a “mancha de lixo”?
A “mancha de lixo”, como é apresentada na mídia, é uma área de concentração de lixo marinho no Oceano Pacífico Norte. O termo “mancha de lixo” tem levado muitas pessoas a acreditar que esta área é uma mancha grande e contínua, composta de unidades de lixo marinho, facilmente visíveis, tais como garrafas e outros resíduos sólidos – semelhante, literalmente, a uma colcha de lixo que deveria ser visível através de imagens de satélite e fotografias aéreas. Isto simplesmente não é verdade. Embora unidades de lixo possam ser encontradas nessa área, juntamente com outros fragmentos de objetos descartados, tais como redes de pesca abandonadas, a maioria desses resíduos sólidos, mencionados pela mídia atualmente, corresponde a pequenos fragmentos de detritos plásticos flutuantes. Esses pedaços de plástico são muito pequenos e não são imediatamente evidentes a olho nu.

Onde está a “mancha de lixo”?
Parece que a “mancha de lixo”, em destaque na mídia, está dentro da Zona de Alta Pressão Subtropical do Pacífico Norte (Alta Subtropical do Pacífico Norte), uma área entre o Havaí e a Califórnia. Devido às amostras limitadas de lixo marinho coletadas no Pacífico, ainda é difícil falar sobre seu conteúdo exato, seu tamanho e localização. Contudo, o lixo marinho tem sido encontrado em maiores concentrações no calmo centro dessa zona de alta pressão, se comparadas a áreas fora dessa zona. Dever-se-ia notar que a Alta Subtropical do Pacífico Norte não é uma área estacionária, mas que se movimenta e que muda. Essa área é definida, pelo Serviço Nacional de Tempo da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), como “uma área de alta pressão subtropical, semi-permanente, no Oceano Pacífico Norte. Ela é mais forte no verão do Hemisfério Norte e é deslocada em direção ao Equador durante o inverno, quando a Baixa das Aleutas torna-se mais dominante. A Alta dos Açores e a Alta das Bermudas são sistemas comparáveis a esse.”.

Qual é a diferença entre as “manchas de lixo” do Leste e do Oeste?
Recentemente, foi mencionado na mídia a existência de uma “mancha de lixo” do Leste e outra do Oeste. A “mancha de lixo” do Leste é a mesma “mancha de lixo” original (ver acima), situada, aproximadamente, a meio caminho entre o Havaí e a Califórnia – a área da Alta Subtropical do Pacífico Norte. A “mancha de lixo” do Oeste tem sido mencionada como situada ao largo da costa do Japão.

O que é a “mancha de lixo” do Oeste?
Existe um pequeno “giro de recirculação” ao sul da Corrente de Kuroshio, ao largo da costa do Japão, que pode concentrar lixo marinho flutuante – essa é a tão falada “mancha de lixo” do Oeste. As forças exatas que causam essa rotação no sentido horário ainda estão sendo pesquisadas; contudo, ela pode ser causada pelos ventos e vórtices oceânicos (águas que giram no sentido horário e anti-horário). A pesquisa está em andamento no meio acadêmico, por exemplo, na Universidade do Havaí e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, visando compreender melhor a sua verdadeira natureza e as forças por trás desses giros de recirculação.

A “mancha de lixo” é a única área onde o lixo marinho se concentra?
NÃO. Existem diversas feições nos nossos oceanos que concentram o lixo marinho, incluindo os vórtices e as zonas de convergência.
UM EXEMPLO é a Alta Subtropical do Pacífico Norte ou “mancha de lixo”.
OUTRO EXEMPLO é uma área conhecida como Zona de Convergência Subtropical do Pacífico Norte (North Pacific Subtropical Convergence Zone – STCZ).
A Zona de Convergência Subtropical do Pacífico Norte está localizada ao longo da extremidade sul de uma área conhecida como Zona de Transição do Pacífico Norte. A NOAA tem se concentrado na STCZ porque esta é uma área de alta produtividade, servindo como área de alimentação e migração para espécies pelágicas, além de ser uma área já documentada de concentração de lixo marinho – e uma das razões para o acúmulo de lixo marinho no Havaí (veja abaixo) (Kubota, 1994; Pichel et al., 2007). Essa área não tem limites distintos e varia, quanto à localização e intensidade de convergência, ao longo de todo o ano. Essa zona se movimenta, sazonalmente, entre 30º e 42º N de Latitude (aproximadamente 800 milhas), estendendo-se mais para o sul (28º N), durante os períodos do El Niño (Donohue e Foley, 2007). Durante os meses de verão, essa zona fica menos definida e se localiza mais ao norte, quando a convergência tende a enfraquecer; durante os meses de inverno, ela se torna marcante e se situa mais ao sul, quando a convergência fica mais forte.

A Zona de Convergência Subtropical do Pacífico Norte como um mecanismo de acúmulo de lixo marinho no Havaí:O arquipélago havaiano, que se estende por 1500 milhas na direção noroeste, a partir do extremo sul da ilha do Havaí até o Atol de Kure, está entre as cadeias de ilhas mais longas e remotas do mundo. No Havaí, o lixo marinho continua representando uma ameaça ao habitat marinho, à navegação segura, e à vida selvagem; incluindo a Foca Monge do Havaí (Monachus schauinslandi), espécie em risco de extinção, e várias espécies de tartarugas marinhas, aves marinhas e baleias. É a localização desse arquipélago, entre os 18º e 28º de Latitude Norte, que o torna propício ao acúmulo de lixo marinho. Uma das razões para que o lixo marinho se acumule nessas ilhas é o movimento desses fragmentos de lixo dentro da Zona de Convergência Subtropical do Pacífico Norte (STCZ). A STCZ concentra o lixo marinho e se movimenta sazonalmente entre os 30º e 42º de Latitude Norte, declinando mais para o Sul (28º N), durante os períodos de El Niño. Esse acúmulo, devido à STCZ, é evidenciado por um aumento na quantidade de lixo marinho flutuante que se deposita nas praias, durante os períodos de El Niño (Morishige et al., 2007). Adicionalmente, tem sido observada uma correlação entre o aumento do emaranhamento das Focas Monge do Havaí, em risco de extinção, no lixo marinho e os períodos de El Niño (Donohue e Foley, 2007).

Qual é a diferença entre o “giro” e a “mancha de lixo”? Ou eles são a mesma coisa?
Um giro é uma feição circular de larga escala, formada por correntes oceânicas que giram, em espiral, em torno de um ponto central, no sentido horário, no Hemisfério Norte, e no sentido anti-horário, no Hemisfério Sul. Mundialmente, existem cinco giros oceânicos subtropicais maiores ou principais: os Giros Subtropicais do Pacífico Norte e do Pacífico Sul, os Giros Subtropicais do Atlântico Norte e do Atlântico Sul, e o Giro Subtropical do Oceano Índico. O Giro Subtropical do Pacífico Norte é o mais notável devido à sua tendência em agregar lixo marinho. Ele é formado por quatro grandes correntes que giram no sentido horário – Pacífico Norte, Califórnia, Norte Equatorial e Kuroshio. É muito difícil medir o tamanho exato do giro por ser um sistema fluido, mas o Giro Subtropical do Pacífico Norte é estimado, de forma grotesca, em aproximadamente 7 a 9 milhões de milhas quadradas – não é uma pequena área! Essa é, obviamente, uma estimativa aproximada. Ela é, aproximadamente, equivalente a três vezes a área continental dos Estados Unidos (3 milhões de milhas quadradas).
Enquanto um giro pode agregar o lixo marinho numa escala muito grande, as manchas de lixo, como vistas pelos que navegam no Pacífico Norte, são, de fato, o resultado de várias feições oceanográficas de pequena escala, tais como vórtices oceânicos e meandros de frentes oceânicas (pense nos meandros como um desvio numa linha reta. À medida que a energia – ventos/correntes – atinge a frente, vão se formando ondulações e “curvaturas” que são descritas como meandros frontais – movimentos para o norte e para o sul, ao longo da frente oceânica).

Qual o tamanho da “mancha de lixo”?
Ao longo dos últimos dois anos, tem sido visto uma ampla cobertura na mídia sobre a “mancha de lixo”; contudo, o tamanho e a massa divulgados têm variado de artigo para artigo. Devido ao tamanho amostral limitado, bem como à tendência dos navios observadores explorarem apenas áreas que são consideradas concentradoras de lixo marinho, não há, verdadeiramente, uma estimativa precisa do tamanho e da massa da “mancha de lixo” ou de quaisquer outras concentrações de lixo marinho no oceano aberto. Adicionalmente, muitas feições oceanográficas não possuem limites distintos ou uma extensão fixa, e, portanto, a quantidade de lixo marinho nesta zona (tanto o número quanto o peso) seria muito difícil de ser medida com precisão. A “condição de mancha” do lixo marinho nessa ampla área tornaria um levantamento estatisticamente confiável algo muito trabalhoso e provavelmente caro.
Independente do tamanho, da massa e da localização exatas da “mancha de lixo”, os detritos produzidos pelo ser humano não pertencem aos nossos oceanos e cursos d’água.

Você pode ver a “mancha de lixo” a partir de imagens de satélite?
NÃO. Em relação à magnitude do Oceano Pacífico Norte, a observação de grandes concentrações de lixo marinho, especialmente de fragmentos grandes, não é muito comum. A maioria dos detritos observados na “mancha de lixo” são pedaços pequenos de plástico. Esses pequenos pedaços de lixo são difíceis de ver por causa do seu tamanho, e muitos desses pedaços podem estar suspensos abaixo da superfície do mar, o que os tornaria ainda mais difíceis de serem vistos, mesmo para o olho humano. Por essas razões, o lixo marinho, ou “a mancha” de lixo, não é visível com a atual tecnologia de satélites.

O que tem sido feito para limpar os plásticos e os demais detritos da “mancha de lixo” e do Pacífico Norte?
A NOAA tem sido contatada a respeito da limpeza de resíduos sólidos na “mancha de lixo” e em outras áreas do Pacífico Norte; contudo, as limpezas são, provavelmente, mais difíceis de realizar do que parecem.
Em algumas áreas onde há concentração de lixo marinho, também há concentração de vida marinha, como ocorre na STCZ. Isso torna uma simples retirada de material algo arriscado – pode-se causar mais danos do que benefícios. É bom lembrar que grande parte da vida marinha encontra-se na escala de tamanho microscópico. Por exemplo, ao coar as águas oceânicas em busca de plástico, o plâncton, que é a base da cadeia alimentar marinha e responsável por 50% da fotossíntese da Terra, seria capturado… quase o equivalente a todas as plantas terrestres! Além disso, desde que essa área se move dentro do Oceano Pacífico (uma área muito grande), qualquer um pode imaginar a dificuldade de se encontrar grandes concentrações em um determinado dia.
A NOAA está trabalhando para utilizar informações oceanográficas para ajudar a prever as áreas de convergência com probabilidade de concentrar resíduos sólidos. Acredita-se, ainda, que os processos oceanográficos de larga escala, que induzem a convergência na Alta Subtropical do Pacífico Norte e a STCZ, podem trazer também lixo marinho. Contudo, essas concentrações de lixo marinho são ainda muito difíceis de se prever sua localização ou de se encontrar no mar, devido à vastidão do Pacífico Norte. Se pudermos desenvolver uma melhor compreensão dos processos oceanográficos de média e pequena escala, que possam vir a concentrar lixo marinho em certas áreas, talvez possamos identificar as maiores concentrações locais de resíduos sólidos. O conhecimento e os recursos atuais não oferecem a devida confiança para se realizar esforços de remoção bem sucedidos e com boa relação entre os custos e benefícios.
Esforços nas proximidades da costa:A NOAA e seus parceiros têm removido lixo marinho do Arquipélago Havaiano por mais de uma década. Nosso foco tem sido os resíduos sólidos grandes como as redes de pesca abandonadas, as quais se mostraram extremamente danosas à navegação, aos corais, aos mamíferos marinhos e outros animais marinhos. Desde 1996, mais de 600 toneladas de redes abandonadas foram removidas das remotas Ilhas Havaianas do Noroeste. Até o momento, nenhuma operação de remoção foi iniciada para remover partículas menores de resíduos sólidos. Deve ser realizado um estudo mais abrangente sobre os pedaços menores, relativo à sua localização, composição, abundância e impacto, visando desenvolver a operação de remoção mais eficiente e efetiva, se testada.

Existe uma “mancha de lixo” no Oceano Atlântico?
A maior parte da pesquisa sobre o movimento e a concentração de lixo marinho nos oceanos tem se focado no Oceano Pacífico, possivelmente devido ao fato de esses mecanismos induzirem o acúmulo, e assim os impactos, do lixo marinho em todo o Arquipélago Havaiano. Particularmente, a pesquisa tem sido realizada sobre a Zona de Convergência Subtropical do Pacífico Norte, uma área conhecida de acúmulo de resíduos sólidos no Pacífico Norte. Adicionalmente, talvez devido às numerosas espécies e recursos protegidos dentro do Arquipélago Havaiano (por exemplo, a foca-monge-havaiana, em risco de extinção), a pesquisa sobre ameaças, como o lixo marinho, tende a receber prioridade.
O que não quer dizer que o lixo marinho no Oceano Atlântico não é importante. Pesquisas têm sido realizadas e publicadas sobre o lixo marinho no Atlântico, principalmente sobre a ingestão de partículas plásticas por espécies de tartarugas marinhas e aves marinhas ou sobre as partículas plásticas coletadas por arrasto nas proximidades da costa. Mas, ainda é escassa a literatura sobre o lixo marinho em alto mar no Oceano Atlântico. Assim como no Pacífico, existe o Giro Subtropical do Atlântico Norte, composto por quatro correntes principais – Norte Equatorial, Corrente do Golfo, Norte-Atlântica, e Corrente das Canárias. Há também uma Zona de Convergência Subtropical do Atlântico Norte (STCZ); contudo, se há previsão de que ela concentra resíduos sólidos, nós atualmente não sabemos de nenhuma pesquisa sobre a concentração de resíduos sólidos dentro desta STCZ ou sobre a existência de uma “mancha de lixo” notável.

Bibliografia citada
Donohue, M. e D. Foley. 2007. Remote sensing reveals links among the endangered Hawaiian monk seal, marine debris, and El Niño. Marine Mammal Science 23(2):468-473.
Kubota, M. 1994. A mechanism for the accumulation of floating marine debris north of Hawaii. Journal of Physical Oceanography 24:1059–1064.
Morishige, C., M. Donohue, E. Flint, C. Swenson, e C. Woolaway. 2007. Factors affecting marine debris deposition at French Frigate Shoals, Northwestern Hawaiian Islands Marine National Monument, 1990-2002. Marine Pollution Bulletin 54: 1162-1169.
Pichel, W., J. Churnside, T. Veenstra, D. Foley, K. Friedman, R. Brainard, J. Nicoll, Q. Zheng, e P. Clemente-Colon. 2007. Marine debris collects within the North Pacific Subtropical Convergence Zone. Marine Pollution Bulletin 54: 1207-1211.

Agradecimentos
Essas informações foram compiladas com a participação e o auxílio dos pesquisadores da NOAA, dos pescadores havaianos que pescam com espinhel, de navegadores recreativos, e, particularmente, dos oceanógrafos do Centro de Ciência Pesqueira das Ilhas do Pacífico, da NOAA.

Fonte: NOAA Marine Debris Program
Tradução: Global Garbage/Carla Fillardi

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