Ambientalistas encaminharam no dia 27 de outubro, uma carta para os dois candidatos a presidente, pedindo um posicionamento referente ao porto sul, considerando que este projeto poderá comprometer séria e irreversivelmente o Bioma Mata Atlântica do Sul da Bahia, afetando áreas protegidas como a Lagoa Encantada, o Parque do Conduru e a Apa de Itacaré Serra Grande, a atividade pesqueira e a paisagem turística da Costa do Cacau.
Leia a carta na íntegra:
Ilhéus, 27 de outubro de 2010
Ilma. Sra. Dilma Roussef, candidata á presidência da república pelo Partido dos Trabalhadores (PT)
A/C José Eduardo Dutra- Presidente do PT
Vimos por meio desta, expor nossa preocupação com a rica e importantíssima biodiversidade do Sul da Bahia, local onde se encontram 80% dos remanescentes da Mata Atlântica no Nordeste, reconhecidos pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e protegidos pela Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), estão sob grave ameaça imposta por um projeto, Complexo Logístico Intermodal Porto Sul – CLIPS, que pretende implantar um complexo portuário na Ponta da Tulha, em Ilhéus, ancorado no interesse privado da empresa de capital internacional, Bahia Mineração (BAMIN), em escoar minério de ferro extraído de jazidas do município de Caetité (BA). O terminal marítimo de exportação de minério será ligado às jazidas pela futura Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), que ligará a cidade de Figueirópolis (TO) à Ilhéus (BA).
Dessa maneira, a escolha da Ponta da Tulha para construir o complexo portuário, bem como a escolha do traçado final da FIOL, que desemboca em Ilhéus, destruirão uma área de megadiversidade, compreendida dentro de uma Área de Preservação Ambiental, a APA da Lagoa Encantada e Rio Almada, protegida pela atual legislação ambiental brasileira, em especial a Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
O Sul da Bahia foi objeto de narrativas de importantes naturalistas, tais como Charles Darwin, Von Spix e Von Martius, além do príncipe Maximiliano Philipp zu Wied-Neuwied, que estiveram presentes na região e relataram suas experiências, constituindo referências históricas relevantes para o Brasil e o mundo. Esta região é caracterizada por sua extrema riqueza natural, histórica e cultural, abrigando um enorme patrimônio ecológico e socioambiental brasileiro, traduzido por paisagens de valor histórico e espécies animais e vegetais endêmicas e ameaçadas de extinção, que poderão ser exterminadas da face da Terra se não forem preservadas. Inclusive, o próprio Ministério do Meio Ambiente, na publicação “Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira: Atualização - Portaria MMA nº 09, de 23 de janeiro de 2007”, classifica a região em que se pretende implantar o terminal portuário da BAMIN como de importância biológica extremamente alta.
Esse patrimônio cultural e natural é resultado de relações históricas seculares de comunidades locais e centenas de milhares de produtores e trabalhadores rurais, pescadores, comunidades quilombolas e remanescentes indígenas cuja economia tem sido marginalizada ao longo de décadas. Suas atividades, se bem aproveitadas, poderiam ser a base de uma nova economia regional movida pela produção de cacau e chocolate, frutas, fibras naturais, indústria de base local e de micro e pequena escala, turismo e cultura regional. Cabe destacar que essas mesmas populações poderão ser as maiores vítimas de projetos corporativos como os da BAMIN. Empreendimentos como esse são capazes de destruir um projeto que pode enfrentar o desafio da geração de emprego para a região, baseada numa perspectiva integradora e com fontes de financiamento baseadas em critérios de sustentabilidade. Para isso, o Sul da Bahia, mais que qualquer outra região do país, reúne condições excepcionais para se desenvolver utilizando-se da natureza e garantindo a sustentabilidade dos sistemas naturais, o chamado ecodesenvolvimento.
A área onde se pretende instalar o terminal portuário da BAMIN está inteiramente incluída na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO, evidenciando o compromisso do governo brasileiro com a conservação e o desenvolvimento sustentável da área. Vale lembrar que a Mata Atlântica é reconhecidamente um bioma de importância global e sob ameaça de alto grau. Tendo perdido pelo menos 93% de seu habitat original, é considerado um hotspot, contendo mais de 1.500 espécies de plantas vasculares endêmicas (cerca de 0,5% do total mundial), cujos ecossistemas prestam inestimáveis serviços à sociedade, incluindo a manutenção de água de qualidade para as cidades e equilíbrio climático, além de compor uma das paisagens mais belas do mundo. Tal local, às margens do Rio Almada e da Lagoa Encantada, foi tombado pelo município de Ilhéus em 1991 e, em 1993, a mesma região foi alvo da criação da Área de Preservação Ambiental (APA) da Lagoa Encantada, ampliada em 2003 com o objetivo de conservar os valiosos ecossistemas remanescentes da Mata Atlântica na bacia do Rio Almada, sua nascente, os manguezais e áreas úmidas associadas a seu estuário. Dessa maneira, a implantação do Complexo Intermodal Porto Sul afetará áreas de preservação permanente, assim definidas pelo artigo 215 da Constituição do Estado da Bahia, como, por exemplo, recifes de coral, manguezais, dunas e restingas, além de comprometer a riqueza que as áreas indicadas possuem, tais como o abrigo de espécies raras da fauna e flora locais e a beleza cênica que compõe esse ecossistema, com imenso potencial de desenvolvimento de ecoturismo.
É importante destacar, ainda, a importância da biodiversidade marinha do Sul da Bahia, em especial os recifes de coral. O Brasil possui os únicos ambientes recifais de todo o oceano Atlântico Sul e o Sul da Bahia, por sua vez, possui a mais extensa área de recifes coralíneos do país. A fauna de coral formadora dos recifes é constituída por espécies que, em sua maioria, são endêmicas da província brasileira, ou seja, só existem em nosso país. Apenas vinte espécies foram identificadas até o momento, das quais oito estão presentes apenas no litoral baiano.
Recentemente, em abril de 2010, a UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz) fez um relatório para mapear os bancos de corais na área de implantação do porto da BAMIN, com dados obtidos através de mergulhos sistemáticos na região, e constatou a presença de recifes de coral dentro da área considerada como de influência direta do Terminal Portuário da Ponta da Tulha, com a presença de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. Segundo esse relatório, caso o Complexo Porto Sul seja implantado, o banco recifal será seriamente impactado durante a construção da ponte projetada para dar acesso ao píer de atracação do porto, podendo impor sérios riscos de sombreamento e soterramento aos recifes de coral. Isso que dizer que toda a riqueza coralínea existente na região sofrerá um brutal impacto, que poderá ser até irreversível, caso os empreendimentos que compõem o Complexo sejam implantados.
Ainda a respeito dos recifes de coral, é importante ressaltar que, por deter alta importância biológica, é conferida à região uma enorme responsabilidade de proteção e uso sustentável desses ambientes, devido à variedade de bens e serviços que prestam, tais como (i) proteção do litoral contra a ação das ondas, (ii) berçários para as espécies marinhas, (iii) uso recreativo e turístico e (iv) fontes de compostos medicinais. Para garantir essa proteção, o Brasil tornou-se signatário da ICRI (International Coral Reef Initiative) - Iniciativa Internacional dos Recifes de Coral, tendo firmado compromissos no âmbito internacional para a proteção e conservação da biodiversidade. Além disso, cabe destacar que o Brasil também é signatário da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) da Organização das Nações Unidas (ONU), assumindo importantes metas de conservação da biodiversidade.
Considerando a vocação turística dessa região, a possível viabilização de um complexo portuário dessa magnitude significaria a sentença de morte de toda a cadeia de turismo e de uma rede de negócios baseada em uma economia de baixo carbono, inovadora e que aproveita as vocações e potencialidades da região, tais como a indústria cacaueira, de pesca e informática. Ao contrário do que a BAMIN tem afirmado em relação à geração de "milhares" de empregos, com a implantação do Terminal Portuário, serão gerados apenas 460 postos de emprego definitivos - com mão-de-obra especializada, ou seja, não contemplando a população local. Outra informação relevante é que a exploração da mina em Caetité se dará pelo período de 15 anos, e aliada à grande massa migratória que estima-se ser deslocada para a região, representarão um sério fator limitante à geração de empregos na região.
É imprescindível ressaltar que, sendo o turismo uma das principais atividades da região, ele tem um papel fundamental no combate à pobreza e é uma ferramenta crucial para o desenvolvimento sustentável. As principais motivações turísticas da Bahia são a NATUREZA e o PATRIMÔNIO HISTÓRICO. Sendo assim, a inviabilização dessas atividades turísticas, baseadas nos atrativos naturais e culturais do local, comprometerá todos os investimentos realizados até o momento pelo Prodetur (Programa de Desenvolvimento do Turismo - Nordeste) na região. Cabe citar que este Programa, financiado por recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para promover a expansão e melhoria da qualidade da atividade turística na Região Nordeste e para melhorar a qualidade de vida das populações residentes nas áreas beneficiadas, pode ter sua credibilidade institucional ameaçada com a implantação do Complexo Porto Sul.
Vale lembrar que ao lado de Caetité já existe uma ferrovia - a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que segue para o Porto de Aratu, na Baía de Todos os Santos, também já existente - que poderia ser revitalizada e utilizada para escoar o minério de ferro e exportar para o referido porto, sendo uma opção extremamente menos impactante dos pontos de vista econômico e socioambiental, afastando a necessidade de se construir uma nova ferrovia que interligue Caetité e Ilhéus e um novo porto na região da Ponta da Tulha.
Ocorre que, para atender basicamente aos interesses estratégicos da BAMIN, o traçado pensado até então para a ferrovia foi trazido mais para o sul, tornando-se significativamente maior e mais caro, firmando-se, ainda, uma situação de obsolescência de um importante sistema logístico.
Diante de todo o exposto, o terminal de uso privativo da BAMIN, bem como o traçado final da FIOL, em sua atual concepção, são incompatíveis com a preservação do bioma e do desenvolvimento sustentável da região.
Pelos motivos acima elencados, pedimos que a sra, sendo eleita à presidência da República, e tendo firmado um compromisso público de apoiar o desenvolvimento sustentável, reconsidere a implantação desse complexo na localização prevista, levando em conta os importantes atributos ambientais, sociais e culturais da região, sua vocação turística, o respeito à legislação brasileira, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável na Bahia e beneficiar a sociedade com uma melhor qualidade de vida, por meio de um modelo de desenvolvimento que gere renda e postos de trabalho mediante o uso sustentável do patrimônio ambiental, notadamente das unidades de conservação, inserindo a Bahia definitivamente em um modelo de desenvolvimento do século XXI, levando em conta as futuras gerações, uma economia mais justa e sustentável e o respeito à natureza e às reais vocações da região.
Assinam a carta:
Suzana M.Pádua, IPÊ – presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas
Leandra Gonçalves, Coordenadora de campanhas GREENPEACE Brasil
Maria do Socorro Mendonça, Presidente Associação Ação Ilhéus
Rui Rocha, Presidente Instituto Floresta Viva
Mário Mantovani, Superintendente SOS Mata Atlântica
Renato Cunha, Coordenador Gambá - Grupo Ambientalista da Bahia
Salvador Ribeiro da Silva Filho, Representante Legal do Movimento Mecenas da Vida
Adelício Barbosa dos Santos, Líder do Assentamento Bom Gosto Ilhéus
Clayton Lino, Vice Presidente RBMA - Rede Brasileira Mata Atlântica
Luis Paulo Pinto, Diretor do Programa Mata Atlântica Conservação Internacional - Brasil
Jorge Luiz dos Santos, Vice Presidente da Associação dos Funcionários da FUNASA
Edson Espírito Santo, Coordenador Movimento Pró Cidadão
Cleidemara Soares Coelho, Presidenta Associação dos Moradores Vila Juerana
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